domingo, 14 de novembro de 2010

Abrindo a janela


Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. 
Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas, todas as manhãs, vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre as plantas. 
Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. 
E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. 
Outras vezes encontro nuvens espessas. 
Avisto crianças que vão para a escola. 
Pardais que pulam pelo muro. 
Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com pardais. 
Borboletas brancas, duas a
duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. 
Às vezes um galo canta. 
Às vezes um avião passa. 
Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. 
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.
(Cecília Meireles)

4 comentários:

  1. Que todo dia se possa abrir uma janela com olhar de gratidão e esperança.

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  2. Olhar com os olhos da alma...

    Namastê.

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  3. Sim, Patricia... que nossos olhos possam enxergar a beleza da vida.

    Namastê!

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