quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Contando um conto

Era uma vez um lindo rio que abria seu caminho entre montes, florestas e prados. Ele começou como um alegre regato, uma fonte que sempre cantava e dançava enquanto ia descendo do alto da montanha.
Naquela época, o rio era muito jovem e, quando chegou à planície, ele passou a ser mais lento. Estava pensando em ir até o oceano.
Enquanto ia crescendo, ele aprendia a ser bonito, formando curvas graciosas entre os montes e os prados.
Um dia ele percebeu nuvens em si mesmo. Nuvens de todas as cores e formatos. Nesse período ele não fez nada a não ser perseguir as nuvens. Queria possuir uma nuvem, ter uma só para si. No entanto, as nuvens flutuam e viajam pelo céu e estão sempre mudando sua forma. Às vezes lembram um sobretudo, às vezes, um cavalo.
O rio sofria muito com a natureza inconstante das nuvens. Seu prazer, sua alegria eram simplesmente correr atrás das nuvens, uma a uma, mas o desespero, a raiva e o ódio invadiram sua vida.
Um dia, então, veio um vento forte que soprou para longe todas as nuvens. O céu ficou totalmente vazio. Nosso rio achou que a vida não valia a pena porque não havia mais nuvens a perseguir.
Ele teve vontade de morrer. "Se não há nuvens, por que eu deveria viver?" Mas, como poderia um rio se suicidar?
Naquela noite o rio teve a oportunidade de voltar a si mesmo pela primeira vez.
Estivera correndo atrás de algo externo a si mesmo há tanto tempo que jamais vira seu verdadeiro eu.
Aquela noite foi a primeira ocasião em que ele ouviu seu próprio choro, o som das águas batendo de encontro às margens. Como foi capaz de ouvir sua própria voz, ele descobriu algo de grande importância.
Percebeu que estivera buscando o que já estava em si mesmo.
Descobriu que as nuvens não são nada além de água. As nuvens nascem da água e à água voltarão. Descobriu ainda que ele próprio também era água.
Na manhã do dia seguinte, quando o sol apareceu, ele notou algo lindo. Viu o céu azul pela primeira vez. Jamais percebera sua existência antes. Só se interessava pelas nuvens e deixara de ver o céu, que é o lar de todas as nuvens.
Elas são inconstantes, mas o céu é estável.
Percebeu que o céu imenso estivera em seu coração desde o início. Esse belo vislumbre lhe trouxe a paz e a felicidade. Quando via a maravilha e a amplidão do céu azul, ele sabia que sua paz e sua estabilidade jamais se perderiam outra vez.
Naquela tarde, as nuvens voltaram, mas dessa vez ele não sentiu o desejo de possuí-las. Via a beleza de cada uma e conseguia dar boas-vindas a todas elas. Quando uma nuvem chegava, ele a cumprimentava com amor e carinho. Quando aquela nuvem queria partir, ele acenava feliz, com amor e carinho.
Tinha consciência de que todas as nuvens eram ele mesmo. Não precisava escolher entre as nuvens e si mesmo. Existia a paz e a harmonia entre eles.
Naquela noite aconteceu algo assombroso. Ao abrir seu coração para o céu noturno, o rio recebeu a imagem da lua cheia - linda, redonda, como uma joia dentro d'água. Ele nunca imaginara que pudesse receber uma imagem tão bela.
Há um belíssimo poema em chinês que diz o seguinte: "A lua linda e nova passeia no mais vazio dos céus. Quando os rios-mentes dos seres vivos forem livres, essa imagem da beleza da lua se refletirá em cada um de nós."
Era esse o estado de espírito do rio naquele momento. Ele recebeu no seu coração a bela imagem da lua; e a água, as nuvens e a lua saíram de mãos dadas a praticar a meditação andando muito lentamente até o oceano.
Não há o que perseguir. Podemos voltar a nós mesmos, apreciar nossa respiração, nosso sorriso, nosso eu e o belo ambiente em que vivemos.
(Thich Nhat Hanh)

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