sábado, 12 de dezembro de 2015

Porque hoje é sábado



Sempre que a gratuidade pousa em minhas palavras,
elas são abençoadas por pássaros e por lírios.
Os pássaros conduzem o homem para o azul,
para as águas, para as árvores e para o amor.
Ser escolhido por um pássaro para ser a árvore dele:
eis o orgulho de uma árvore.
Ser ferido de silêncio pelo voo dos pássaros:
eis o esplendor do silêncio.
Ser escolhido pelas garças para ser o rio delas:
eis a vaidade dos rios.
Por outro lado, o orgulho dos brejos é o de serem escolhidos
por lírios, que lhes entregarão a inocência.
Sei, entrementes, que a ciência faz cópia de ovelhas,
que a ciência produz seres em vidros.
Louvo a ciência por seus benefícios à humanidade,
mas  não concordo que a ciência não se aplique em produzir
Encantamentos.
Por quê não medir, por exemplo, a extensão do exílio das cigarras?
Por quê não medir a relação de amor que os pássaros têm com as brisas da manhã?
Por quê não medir a amorosa penetração das chuvas no dentro da terra?
Eu queria aprofundar o que não sei, como fazem os cientistas,
mas só na área dos encantamentos.
Queria que um ferrolho fechasse o meu silêncio, para eu sentir melhor as coisas incriadas.
Queria poder ouvir as conchas, quando elas se desprendem da existência.
Queria descobrir por quê os pássaros escolhem a amplidão para viver,
enquanto os homens escolhem ficar encerrados em suas paredes.
Sou leso em tratagem com máquina; mas inventei, para meu gasto,
um Aferidor de Encantamentos.
Queria medir os encantos que existem nas coisas sem importância.
Eu descobri que o sol, o mar, as árvores e os arrebois são mais enriquecidos pelos pássaros do que pelos homens.
Eu descobri, com o meu Aferidor de Encantamentos, que as violetas e as rosas e as acácias são mais filiadas dos pássaros do que os cientistas.
Porque eu entendo, desde a minha pobre percepção, que o vencedor, no fim das contas, é aquele que atinge o inútil dos pássaros e dos lírios do campo.
Ah, que estas palavras gratuitas possam agora servir de abrigo para todos os pássaros do mundo!
(Manoel de Barros)

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