sábado, 6 de maio de 2017

Porque hoje é sábado



Vem ver o dia crescer entre o chão e o céu,
o aroma dos verdes campos ir sendo orvalho na alta lua.
Os bois deitados olham a frente e o longe, atentamente,
aprendendo alma futura nas harmonias distribuídas
O mesmo sol das terras antigas lavra nas pedras estrelas claras.
Nem as nuvens se movem. Nem os rios se queixam.
Estão deitados, mirando-se, dos seus opostos lugares,
e amando-se em silêncio, como esposos separados.
Neste descanso imenso, quem te dirá que viveste em tumulto,
e houve um suspiro em teu lábio, ou vaga lágrima em teus dedos?
Morreram as ruas desertas e os ávidos habitantes
ficaram soterrados pelas paixões que os consumiam.
A brisa que passa vem pura, isenta, sem lembranças.
Tece carícia e música nos finos fios do arrozal.
Em tua mão quieta, pousarão borboletas silenciosas.
Em teu cabelo flutuarão coroas trêmulas de sombra e sol.
Tão longe, tão mortos, jazem os desesperos humanos!
E os corações perversos não merecem o convívio serenos das plantas.
Mas teus pés andarão por aqui entre flores azuis,
e o perfume te envolverá como um largo céu.
O crepúsculo que cobre a memória, o rosto, as árvores,
inclinará teu corpo, docemente, em sua alfombra.
Acima do lodo dos pântanos, verás desabrochar o voo branco das garças.
E, acima do teu sono, o voo sem tempo das estrelas.
(Cecília Meireles)

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